Livro em estreia mundial:
A reencarnação de um texto em palavras que não são as originais é talvez uma das maiores provas do poder criativo do leitor. A tradução é a mais profunda e elevada forma de leitura. Penetrar num texto, desmontá-lo, reconstruí-lo com palavras e frases que obedecem às normas de outros ouvidos e de outros olhos é dar uma nova vida a esse texto, agora mais consciente das suas costuras e da sua dívida ao acaso e ao prazer. É por isso que escolho aqui falar da tradução em fragmentos que o próprio original desconsidera, ou rejeita, ou dos quais se envergonha — tudo aquilo que fica exposto (como Dom Quixote diz) no caótico avesso de uma tapeçaria. — Alberto Manguel «Até bastante tarde na minha infância, não soube que existia uma coisa chamada tradução.
Fui criado por uma ama checa, em inglês e alemão, e aprendi espanhol já com oito ou nove anos. Ao longo da infância, usei as minhas primeiras línguas indiscriminadamente, sem privilegiar uma em detrimento da outra, e nunca pensei nelas como reinos isolados com fronteiras rígidas que tivesse de atravessar. Para mim, a linguagem era uma espécie de Babel convivial constituída por vários conjuntos de palavras, diferentes em som e peso, mas semelhantes em sentido e valor. Só me apercebi de que não era assim para toda a gente quando um dia, na escola, sentindo-me inseguro no meu espanhol, falei com a professora argentina em inglês e recebi uma severa repreensão.
Foi assim que aprendi que existiam fronteiras linguísticas e que eu tinha de as respeitar. Nunca o consegui fazer.»
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